26/11/2020
APRENDER BRINCANDO: ATIVIDADES LÚDICAS NA EDUCAÇÃO
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche tem uma frase que diz: “o ser humano chega à sua maturidade quando encara a vida com a mesma seriedade que uma criança encara uma brincadeira”. Pode parecer contraditório, mas na verdade o pensador está relacionando a seriedade ao comprometimento, pois a criança ao brincar está envolvida, atenta e responsável pelas suas atitudes. Estamos acostumados a separar o “sério” do “lúdico”, como se brincar não envolvesse um certo nível de seriedade. Essa é uma crença limitante que as escolas, faculdades, cursos e instituições de ensino em geral estão acostumadas a propagar: a brincadeira está restrita ao universo infantil e a vida adulta deve ser encarada de maneira séria, no sentido de desprovida de ludicidade e imaginação.
A educação formal tem contribuído há gerações para a formação de adultos sisudos, incapazes de se envolver com atividades que os levem a brincar. Até uma certa idade, as atividades lúdicas fazem parte da aprendizagem nas escolas e colégios, mas passada a fase da educação infantil, brincar só é permitido durante o recreio. Em seguida, aos estudantes que estão se preparando para o ensino superior, é ensinado que deve-se focar no objetivo da aprovação nas provas e que as brincadeiras já não têm cabimento para sua faixa etária. Como estamos muito acostumados com esse tipo de perspectiva nas escolas e na sociedade, consideramos natural que vamos deixando de “brincar” com o passar dos anos. Mas, será que esse comportamento é natural ou o reflexo do condicionamento social a que fomos expostos?
Provavelmente, é uma resposta ao condicionamento. É tanto que grandes empresas como o Google, a Microsoft e o Facebook têm aderido ao conceito “Work & Play” no intuito de resgatar o lado lúdico em seus funcionários. A ideia é incluir ambientes divertidos dentro do escritório para que os funcionários possam se permitir momentos de brincadeira e relax. Para isso, dispõem de mesas de sinuca e ping-pong, videogames, salas com redes e poltronas confortáveis, tobogãs e até mesmo drones para que os colaboradores possam se divertir.
As empresas que investem nesse tipo de conceito sabem que, ao brincar, as pessoas entram em um estado mental prazeroso, onde ao mesmo tempo que relaxam também estão atuando com atenção plena, mas sem gerar tensão. E, por incrível que pareça, nesse estado mais relaxado da mente surgem muitos insights. Lembram do físico Arquimedes? Foi num momento de relax, ao tomar banho numa banheira que ele sacou o conceito do empuxo e saiu gritando ‘Eureka! Eureka’! Bom, um banho de banheira pode até não ser exatamente uma brincadeira coletiva, mas não deixa de ser um momento lúdico.
Assim como as empresas do Vale do Silício têm ousado investir na brincadeira para melhorar a saúde e a imaginação dos seus funcionários, também é possível trilhar um novo caminho na educação escolar. Para inovar, a gestão pedagógica pode valorizar mais o lúdico para aprimorar o aprendizado dos alunos, pois sem brincar a transmissão do conhecimento muitas vezes acaba ficando mecânica e entediante, afastando o interesse dos alunos.
Não é à toa que existe uma concepção generalizada na nossa sociedade de que a educação é um processo penoso. Quantas famílias continuam usando a expressão “dever de casa” para se referir às atividades e exercícios que os estudantes levam para fazer em suas residências? Expressões como essa trazem implicitamente a conotação de “obrigação”, da atividade como um dever e, portanto, desprovida de prazer. A perspectiva social a respeito da educação precisa ser modificada para que as crianças, adolescentes e estudantes de ensino superior possam associar aprendizado e entusiasmo.
As atividades lúdicas na educação têm esse papel transformador. Através delas, é criado um ambiente de alegria capaz de gerar nos estudantes um novo ponto de vista sobre a aprendizagem. Mas, o que são exatamente essas atividades lúdicas? De acordo com um dos maiores pesquisadores da pedagogia infantil, Jean Piaget, elas são um conjunto de ações que incluem o jogo, a brincadeira e o brinquedo. O jogo possui regras e objetivos; a brincadeira não necessariamente, pois pode ser feita independente de regras, como brincar com carrinhos, bonecas, pintar, desenhar. E o brinquedo é o objeto com o qual se brinca.
As palavras do pedagogo alemão Friedrich Froebel ressaltam a importância do brincar para a formação de adultos mais afetuosos: “a brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio [na infância] e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo – da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo. A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um ser humano determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de outros. Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação”.
Nesse sentido, a diversão favorece o aprendizado, ajudando na integração corpo/mente, no desenvolvimento da criatividade, na socialização, além de causar uma sensação de bem estar aos alunos. Através de jogos, músicas, histórias, brincadeiras, as atividades lúdicas são vivenciadas nas escolas, ficando gravadas na memória como momentos felizes. Os alunos sentem-se motivados a continuar envolvidos em jogos e brincadeiras, mesmo que estes tenham uma proposta didática.
Por meio desse tipo de prática, o movimento passa a ser incorporado no processo de aprendizado. Afinal, nem todas as habilidades corporais podem ser trabalhadas nas aulas de educação física. Os movimentos corporais que surgem espontaneamente durante a execução das brincadeiras aperfeiçoam as dimensões das habilidades motoras (força, flexibilidade, equilíbrio, coordenação, lateralidade), das habilidades sócio-comportamentais (desinibição, afetividade, socialização, compaixão, respeito) e das habilidades expressivas (dicção, ritmo, dramaticidade).
Os jogos e brincadeiras despertam muitas dessas habilidades, uma vez que trazem atividades psicomotoras, dinâmicas e em grupo. Inclusive, um dos maiores pontos positivos das atividades lúdicas na educação é a capacidade de gerar socialização, integração e gerenciamento de conflitos que podem surgir em jogos competitivos. Contribuindo, assim para o amadurecimento afetivo e para maior integração entre os alunos, que muitas vezes estão tão acostumados a jogar sozinhos em celulares e tablets que desaprenderam a interagir.]
Começar uma aula com um aquecimento, uma prática em grupo ou incluir jogos para desafiar o aprendizado trazem motivação para a turma. Claro que cada faixa etária pede as atividades específicas para aquela idade. Por exemplo, crianças que estão aprendendo a ler podem gostar de montar palavras a partir de letrinhas avulsas; para as já alfabetizadas o jogo que envolva a leitura de “trava-línguas” sem errar a dicção se torna um bom desafio. A confecção de brinquedos (como caleidoscópios feitos com materiais não cortantes, petecas, chocalhos, bolas) também é uma atividade lúdica importante, capaz de estimular a criatividade e a autoestima. Afinal, construir um objeto é desafiador e leva a criança a reconhecer seu próprio esforço para elaborar o brinquedo.
Algumas brincadeiras para desenvolver habilidades específicas:
1. Equilíbrio: estátua, bambolê.
2. Criatividade: pintar, desenhar, fazer esculturas com massinha de modelar.
3. Raciocínio lógico: montar origamis; brincadeira da “forca”, onde o objetivo é acertar a palavra; jogo da velha; jogo de memória; dama; xadrez. Socialização: esconde-esconde, pega-pega, caça ao tesouro.
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